sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O vizinho

Nunca seria capaz de esquecer aquela visão. Os longos cabelos grudados na face ensanguentada. A pele tinha uma coloração alva contrastante com as manchas negras de sangue coagulado que se espalhavam em desordem por todo o corpo imóvel da mulher. Os olhos muito abertos guardavam ainda o espanto da hora derradeira.


O quarto exalava um odor enferrujado de sangue. Desde a infância, para ele, sangue tinha cheiro e gosto de ferro. Percebera isso ainda menino quando se cansava das brincadeiras torturantes que fazia aos pequenos animais que capturava. Gostava de cepar-lhes o pescoço e verter o líquido escuro e morno em recipientes plásticos que retirava furtivamente da cozinha da mãe. Sorvia em pequenos goles, saboreando com calma. Comparava o gosto do sangue dos animais com o gosto do seu próprio, que por vezes provara.

Não teve dificuldades para encontrar sua vítima. Na verdade, foi possível escolher tranquilamente. Rodou na madrugada com seu carro pelas ruas do velho centro da cidade, mensurou de alto a baixo uma a uma ... Até que seus olhos pousaram na mulher seminua que prestava serviços a quem quisesse pagar seu preço. Parou a poucos metros dela que se aproximou e depois de um curto e prático diálogo entrou no veículo e saiu com ele.

A mulher estranhou o fato de estar na casa dele, sempre a levavam para quartos imundos de estabelecimentos baratos. Intuiu perigo ao passar pelo portão grande da casa cercada de muros altos. Mas ignorou a intuição e prosseguiu no exercício do seu oficio. O cliente era estranho, mas não mais estranhos que todos os outros que faziam uso de seus préstimos, “Todos nesse mundo são estranhos até que se conheça”.

Entraram em um quarto vazio, apenas uma grande lona negra forrava todo o chão.Ele mandou que ela se calasse, se despisse e deitasse de bruços. Retirou ele as próprias vestes calma e metodicamente, dobrou as peças de roupa de ambos e depositou-as na porta do cômodo. Pegou do bolso da calça que usava um estilete, o toque frio da fina lâmina do objeto lhe deu prazer, antegozava.

Ela não teve chance de proteger-se dos golpes, um primeiro correr da lâmina em sua jugular tirou-lhe as forças de imediato. De cócoras sobre a mulher agonizante, esperou até que todo movimento findasse. Então a mudou de posição, com o ventre e o rosto dela tocando o chão como estava não poderia ver os olhos da mulher. Observou atento a expressão de dor e surpresa desenhada na face imóvel de sua vítima.

O alvorecer iniciava a colorir o céu. Levantou-se, banhou-se, trancou o quarto onde estava a mulher e saiu para comer. Tomou uma média, comeu um pão com manteiga. Passeou pelas ruas do bairro, andando tranquilamente, dando bom dia aos vizinhos com um sorriso cordial nos lábios. Foi a feira, escolheu vegetais cuidadosamente.Conversou sobre o capítulo da novela que fora ao ar na noite anterior com a moça que morava na casa em frente a sua.

Ao voltar, preparou sua refeição,almoçou e arrumou a cozinha. Foi até o quintal, cavou uma cova rasa onde depositou o corpo enrolado na lona negra que cobria o chão do quarto. Preparou com cuidado uma massa de concreto e fez de maneira muito eficaz um calçamento. Tomou outro banho e foi dormir.

Acordou de madrugada, vestiu-se, saiu com seu carro.





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