quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Chance

Todos os dias eu a vejo passar rebolativa pela rua a caminho da padaria. Meus olhos gulosos vão acompanhando o balançar daquele quadril até ele sumir padaria adentro. Fico a espreita, esperando ela voltar exalando um cheiro gostoso de pão fresco. Já havia se passado dois meses desde a primeira vez que vislumbrei sua aparição. Provavelmente, devido a minha rotina boêmia eu jamais a veria, ela sempre passa de manhãzinha e eu nunca acordo antes do meio dia. Mas quis Deus ou o diabo que naquele dia eu não tivesse ido dormir, acabara de chegar de uma festa. Quando a vi ainda estava alcoolizado tentando driblar a minha falta de coordenação motora, adquirida pela embriaguez, para poder enfiar a chave na fechadura da porta .


Os cabelos negros presos em um coque displicente mostrava a nuca que era coberta por uma penugem aveludada. O vestido curto, de alças, florido, rente ao corpo. As nádegas generosas, a pele branquinha, os pés de unhas enfeitadas de verniz carmim. Meu coração palpitou tomado por uma euforia insana nos poucos instantes que durou a sua caminhada. Reconheço o quão falso isso parece vindo de um canalha inveterado como eu, mas o que é que vou fazer se essa é a verdade?

Naquela manhã demorei a adormecer, quando cerrava as pálpebras tudo era ela. Podia rever com perfeição toda a delícia da sua imagem. Quando acordei ela ainda insistia em aparecer nos meus pensamentos.Outra noite, outra festa.Passei todo o tempo com a lembrança daquela visão. Cheguei em casa já era madrugada. Quando me deitei na cama pensei em esperar até de manhã para dormir, a expectativa de revê-la me deixava empolgado. Preparei um café forte, sentei estrategicamente em uma poltrona voltada pra janela da qual eu poderia ver a rua. Pensei diversas vezes em ir ao quarto pegar um cigarro, mas o medo de perder o breve instante que aguardava sem nem ao menos saber se aconteceria me paralisou. Para o meu deleite, a minha espera insana valeu a pena e me incentivou a fazer o mesmo no resto da semana, e como se fosse um presente dos céus todos os dias com mínimas variações de horário sua figura aparecia.

Parafraseando nosso popular ex presidente, nunca antes na história da minha vida uma mulher havia me enlaçado assim. Não se trata de desconhecer o amor, muito ao contrário, eu amo as mulheres, amo tanto que amo todas. Mas aquela mulher era diferente. Ela me deixava com medo. Eu que sempre corri atrás de todos os rabos de saia e de todas as barras de calças jeans coladinhas que passou por mim valentemente, agora parecia outro. Ensaiava diversas cenas sem conseguir estrear nenhuma delas. O medo de não agradar me acovardava tragicamente.

Na semana passada resolvi que iria descobrir mais sobre ela, fui até a padaria e puxei conversa com o moço que a atendia. Consegui obter informações valiosas, era solteira nem namorado tinha, morava em um edifício a duas quadras de mim virando a esquerda na esquina da minha rua. Morava com duas amigas me disse o rapaz quando afirmei que ela não poderia comer sozinha a quantidade de pães que carregava.

Munido de tantas e tão boas informações resolvi que já era hora de criar coragem e me aproximar. Não foi preciso. Para o meu assombro, estava regando umas plantas no jardim, disfarçando a minha espera, quando ela se debruçou em meu muro e me disse bom dia. Respondi com um outro bom dia tentando conter minhas emoções transbordantes.

Ela me disse com a voz que descobria um pouco rouca, a fala em um ritmo suave, que gostaria de conversar comigo um instante.

“ Posso estar errada, mas tenho notado um certo interesse seu por mim. O rapaz da padaria me disse que você queria saber sobre a minha vida, e também percebi que fica me olhando sempre que vou buscar pão...”

Ela foi tão direta e doce que me desconcertou plenamente. Diante da total falta de criatividade e por intuir que tamanha franqueza só era merecedora de uma resposta sincera rasguei meu coração e derramei aos pés daquela mulher todo sentimento.

Os olhos negros dela me olharam com ternura enquanto me dizia as três palavras que partiram meu coração.
“ Eu sou homossexual”

Dava pra ouvir o som de algo quebrando dentro de mim.

“Estou vindo falar com você porque minha parceira já percebeu o seu interresse por mim e isso está gerando atrito entre nós.”

Em tudo sua atitude demonstrava uma clareza e uma elegância que me arrebatava, e só o que eu conseguia era lamentar o fato de que ela não iria me querer. Aturdido, quase sem conseguir raciocinar direito perguntei:

“ Você tem certeza?”

“ De quê?”

“ De que é homossexual?”

“ Claro”

Seu corpo já se distanciava quando me agarrei a uma ultima possibilidade e do meu portão ainda disse:

“Bissexual?”







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