“Vai sair de casa com esse umbigo de fora?
“É”
“Porque?”
“Só tenho ele, se tivesse outro saía
com outro pra te agradar.”
“Debochada. Vai botar outra blusa,
anda.”
“Iludido.”
“Iludido?”
“É, tem a ilusão que pode mandar em
mim, coitado ”
Fiz cara feia, em vão. Ela nem me olhou
enquanto saía com o umbigo de fora. “Mulherzinha atrevida...”, murmurei entre
dentes, com medo de que ela ouvisse. Se
ela ouvisse, podia se magoar. Se ficasse magoada a noite eu não teria o corpo
dela aninhado em meu peito. Não teria cheiro bom do seu cabelo agradando meu olfato. Nem calor de pele
macia pesando sobre meu corpo. O jeito era engolir a raiva e esperar pelo amor
que viria depois.
Amélia tem o talento de me causar
emoções intensas e avessas, sentia quase ódio para em seguida encher o peito de
ternura. Bastava a lembrança dos olhos marrons de cílios compridos para
transformar fúria em desejo. Alquimia capaz
de transmutar qualquer sentimento desfavorável em tesão ou afeto, coisas mais valiosas
que ouro em pó. Se ela não fosse tão cheia de si, tão egoísta, tão sorridente,
tão debochada, desbocada, desnuda... livre... seria a mulher perfeita. Já teria
enfiado uma aliança no dedo dela.
Mas Amélia não estava interessada em
aliança ou roupa que lhe tapasse o umbigo.
Amélia não se parecia com a 'mulher de verdade'.
Não sabia passar uma camisa, sua
comida era um desastre, qualquer cômodo
que ocupasse por mais de uma hora ficaria bagunçado, era absolutamente
impossível fazer com que ela estendesse sua toalha úmida depois do banho ao
invés de deixá-la embolada no chão ou em cima da cama.
Amélia não era a mulher mais bonita do
bairro, mas era a mulher da minha vida. Amigo leitor, você já saboreou o beijo
'da mulher da sua vida'? Se você acha que esta mulher tem apenas pernas
torneadas, bunda arrebitada ou cintura de violão, esqueça, e passe a vida sem a
mulher da sua vida.
A mulher da nossa vida não é apenas
mais um rabo de saia. Seu olhar se distingue na multidão, seu hálito é o mais
quente, seu sussurro é como uma tempestade que sem pedir licença, desrespeita
as barreiras, invade nosso corpo e causa estremiços na corrente sanguínea, hemácias,
veias e orifícios.
Amélia era agitada, elétrica,
indomável. A ponta da minha língua em seu umbigo a deixava tal qual um vulcão que
aos poucos vai se tornando indomável. Foi com esse e outros truques baixos que
aprendi a sossegar sua fúria.
Por todas essas sensações eu estava preso
a Amélia. Confesso, eu não tinha forças para me arrancar dos seus braços, dos
seus abraços. Mão me pergunte 'o que ela tem'. Não tenho resposta, e no dia que
eu responder eu a terei decifrado. Nesse dia eu a deixarei, pois o jogo terá
chegado ao final.
Você consegue decifrar 'a mulher da
sua vida'?
Se você estiver buscando neste texto
uma resposta, lamento desapontá-lo, não tenho a receita. Mas tenho uma
explicação, e ela só serve para mim porque Amélia é única... É a única mulher
da minha vida.
Colaboração: João Rios Mendes