Era magrinha. Tinha uns pés grandes
de dedos esparramados e uns olhos graúdos e redondos. Passava sempre sozinha na
frente da casa dele voltando da escola. Por vezes ela olhava para ele que a
observava. Nesses dias ele sorria mais. As brincadeiras eram mais inventivas.
Ele nunca soube o nome dela porque nunca falou com ela. Um dia ela deixou de
passar em frente a casa dele. A ausência da magrinha olhuda foi sua primeira
aflição de amor.
Os sonhos que tecia nas horas em que
pensava nela enquanto esperava o fim da manhã que traria os pés esparramados
nas chinelas de dedo, deram lugar a uma sensação de lacuna que o acompanhou por
muitos anos. Nunca ter trocado mais do que alguns olhares, fez da magrinha a
mulher perfeita. Não saber como ela era além da visão fugidia de sua passagem a
ampliou para o tamanho da imaginação dele.
Na primeira noite que chegou em casa
do trabalho depois da separação, pensou que se tivesse se casado com a magrinha
ela não teria ido embora. A magrinha era compreensível, entenderia suas
grosserias, perdoaria as infidelidades e cuidaria de suas ressacas com café e
cafuné.
Mas Natália não era a magrinha. Ela
era a mulher real. A que ouviu cada uma das infindáveis críticas, que aguentou
os olhares insatisfeitos, as noites de fastio e indiferença. Natália era feita
de carne, ossos, desejos insatisfeitos e cansaço.
Natália tinha nome e história, e
enquanto ele se entorpecia com a aguardente barata que lhe aquecia a garganta
lembrava dessa história. Lembrou o contraste do cabelo negro com o tecido
amarelo do vestido que ela usava quando ele a viu pela primeira vez, o cheiro
doce, o sorriso amplo... Tão bonita. Quanto mais lembrava, mais doía.
Doía o vazio da casa.
Anestesiou os sentidos gole a gole.
Ao despertar, com gosto amargo na
boca e o coração despedaçado, saiu para comprar um remédio que lhe que
acalmasse o fígado. Cambaleante, chegou à farmácia. Pediu o bálsamo e de novo
se lembrou da magrinha.
Não voltou mais em casa. Dali mesmo
pegou o primeiro ônibus de volta à rua onde fora feliz vendo os passos da
magrinha. De novo seus olhos brilharam ao vê-la desfilando rua acima.
Continuava linda segurando na mão direita uma linda garotinha que a chamava de
mãe. A mão esquerda era segura pelo
marido sorridente e carinhoso.
Doía o vazio do coração.
Anestesiou os sentidos gole a gole.
Colaboração de João Rios Mendes