quinta-feira, 16 de abril de 2009

Surto de grosseria

Não sei porque tenho que ser desse jeito. É sempre a mesma coisa desde sempre. Ontem quando destratei Dolores _ e a ouvi me xingar em espanhol e ir embora com os olhos marejados_ me lembrei de Pâmela.
Acho que a gente tinha uns seis anos, eu achava ela linda. O cabelo marrom, lisinho, comprido. Sempre amarrado em dois com suas indefectíveis maria chiquinhas. Ela me tratava bem, dividia o lanche, me escolhia pros brinquedos dela, andava comigo de mãos dadas. Um dia, ela sentou do meu lado naquelas mesinhas pequeninas com quatro lugares, de sala da pré escola.
"Eu gosto do seu nome, Yuri, parece nome de gente da televisão"
"Eu acho o seu nome feio, parece que tão falando panela."
Pâmela desatou a chorar, dizendo que tava de mal pra sempre. É muito duro pra mim, mas eu as vezes não consigo controlar. Acho que nasci com defeito. Basta uma pessoa ser doce comigo. Começa a dar um negócio, uma tensão nas carnes, uma suadeira pegajosa nas mãos, e pronto. Reajo a doçura com aspereza.
Com o passar dos anos fui desenvolvendo técnicas que me permitiam um mínimo de convivência com os outros. A mais eficaz é a da retirada estratégica. No instante em que detecto os primeiros sintomas, respiro fundo, peço licença, e me retiro. O mais curioso é que isso causa boa impressão, principalmente nas mulheres. Elas me descrevem como um cara charmoso, misterioso, superior.
O problema é que sempre tem um momento em que minha grosseria patológica é mais forte que eu. É por isso que meus relacionamentos não duram muito. É também por isso, que tenho uma imensa legião de ex namoradas, que certamente me detestam. Sei de uma que encomendou macumba com o objetivo de me causar danos. Pensei que com Dolores seria diferente.
A conheci logo que viera da Colômbia. Quase não falava português. Por conta disso a nossa história durou mais tempo do que o normal para mim. Com ela, quando tinha minhas crises , a maltratava em português. Ela não entendia e dizia "Que se passa con usted hoy, mi coraçón?". Já estava planejando me casar com ela e ir morar na Colômbia, pra ela não precisar aprender o meu idioma.
Ontem a noite Dolores veio a minha casa acompanhada de uma prima, que já morava no Brasil há anos e falava português muitissímo bem. Foi a minha derrota. Dolores me apresentou Viviam. Fez um comentário elogioso a respeito de mim para a prima. Depois se aproximou toda carinhosa, me beijou os lábios e perguntou o que eu queria para jantarmos. Havia tanta ternura e afeição nos gestos dela, que eu não resisti.
" Qualquer coisa, desde que não seja as porcarias nojentas que você cozinha"
Vivian olhou para mim, tentando vislumbrar algum sinal que demonstrasse que aquilo fora uma brincadeira. Minha namorada olhou para a prima e perguntou o que havia . Ela respondeu. Dolores indagou para mim se era verdade.
"É claro que sim, só não te digo em espanhol porque não sei expressar o quão asquerosa acho sua comida nesse seu idioma de merda."
A prima sequer esperou ela pedir, já foi logo fazendo a tradução. Dolores era escritora, romancista, poeta. Ofender sua habilidade culinária era chato, mas dizer que a língua que ela amava era um idioma de merda machucou ela de verdade. Olhava para o rosto dela enxergava o sofrimento, ouvia e entendia seus questionamentos, mas não conseguia parar.
"Tem razão, Dolores, eu não te amo mesmo. Você é mais uma especie de passatempo. Dá pra suportar tuas esquisitices porque você é razoavelmente gostosa."
Nessas alturas, Vívian já traduzia também os xingamentos da prima. para certificar-se de que eu entenderia. E a coisa só foi piorando, até culminar no momento em que Vivian em uma atitude solidária a prima arrancou do pé o tamanco que estava usando e o arremessou em minha direção. Era um tamanco de salto de madeira. Doeu pra caramba quando acertou minha testa.
Dolores foi embora. Vívian saiu com ela, mas voltou mancando pra pegar o sapato.

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