terça-feira, 12 de abril de 2016

Não tem mais

 “Quem é ?”
“Um cara que conheci no Hotel.”
“Por que tá sorrindo pra ele?”
“Sou muito bonita pra fazer cara feia.”
“ Vou sentar a mão na sua cara, deixo ela feia num instantinho.”
“Ara, Marcos, vá tecer essas suas ameaças de hominho em outro lugar que comigo elas não funcionam. Falta de respeito falar assim comigo.“
Ela me olhou com frieza quando disse isso. Os olhos marrons sempre tão doces e brilhantes fizeram-se opacos feito céu de chuva. Ficou triste e eu soube na hora que não devia falar assim. Mas ela também não era fácil. Vi de longe o sujeito secando ela que ao invés de fechar a cara como mulher de respeito deve fazer sorriu e ainda acenou... Veja se tem cabimento, ficar acenando pra homem na rua.
 Conheceu no hotel, esse emprego dela só serve pra afastar ela de mim. Passa o dia arrumando a cama dos outros. Ao invés de me ouvir a noite quando chego cansado do trabalho e quero conversar, ela tem mil histórias pra contar do hotel. Ficasse em casa teria casa limpa e ouvidos para me receber ao invés de falatório.
E Por Deus como fala essa mulher! Fala de várias coisas ao mesmo tempo, fala dela e dos outros, tem opiniões para o que conhece e para o que adivinha. Me amola contando suas histórias quando quero ver o futebol, dá palpite sobre o que devo fazer quando estou tentando consertar alguma coisa, comenta sobre cada uma das notícias que passa na TV... Se palavras fossem águas, Amélia seria uma cachoeira.
E no dia em que a ameacei, Amélia calou. Foi até em casa sem dizer uma palavra. Agora, verdade seja dita, se ela falando incomodava, em silêncio, Amélia doía.
Naquele dia senti o coração ferido pela lança do seu silêncio. Ferido, não encontrei as flores vigorosas. O sol se escondeu atrás de uma nuvem. Seu silêncio me mostrou as trevas.
Não importa se é aurora, dia ou noite, o semblante fechado de Amélia é igual coroa de espinhos dessas flores murchas da rua.
Quando Amélia voltar a falar comigo, se voltar, direi que sua voz me dá a coragem da estrela que se joga do firmamento em direção ao chão duro da terra; em sua voz encontro a força das ondas do mar; e a voracidade do fogo que destrói sem piedade.
Desde criança vi as estrelas caindo... Estrelas cadentes. Certo poeta diria que essas estrelas são as luzes dos seus olhos; desde sempre as ondas do mar vão e vem, balançam pra lá e pra cá. O mesmo poeta diria que o balanço das ondas se parece com o balanço da sua saia. Imagino você caminhando e seus quadris valsando aquela sua saia azul barrada de desenhos brancos... Tão linda quanto o balanço do mar; tudo isso é aceso por uma chama, a chama da fogueira de São João. O tal poeta diria que essa chama é o que me dá vida para ver a luz dos seus olhos na estrela cadente, a chama é o que me leva a ver o balanço dos seus quadris e sua saia brincando ao vento.
São João passou, a fogueira apagou-se. E agora, como ver a estrela que cai, o balanço do mar se a chama apagou? E agora...?

Sem seu sorriso, não tem mais abraços, não tem mais chamego, não tem mais chave de coxa... Não tem mais.

Colaboração: João Rios Mendes

Nenhum comentário:

Postar um comentário