domingo, 28 de fevereiro de 2016

A MAGRINHA

Era magrinha. Tinha uns pés grandes de dedos esparramados e uns olhos graúdos e redondos. Passava sempre sozinha na frente da casa dele voltando da escola. Por vezes ela olhava para ele que a observava. Nesses dias ele sorria mais. As brincadeiras eram mais inventivas. Ele nunca soube o nome dela porque nunca falou com ela. Um dia ela deixou de passar em frente a casa dele. A ausência da magrinha olhuda foi sua primeira aflição de amor.
Os sonhos que tecia nas horas em que pensava nela enquanto esperava o fim da manhã que traria os pés esparramados nas chinelas de dedo, deram lugar a uma sensação de lacuna que o acompanhou por muitos anos. Nunca ter trocado mais do que alguns olhares, fez da magrinha a mulher perfeita. Não saber como ela era além da visão fugidia de sua passagem a ampliou para o tamanho da imaginação dele.  
Na primeira noite que chegou em casa do trabalho depois da separação, pensou que se tivesse se casado com a magrinha ela não teria ido embora. A magrinha era compreensível, entenderia suas grosserias, perdoaria as infidelidades e cuidaria de suas ressacas com café e cafuné.
Mas Natália não era a magrinha. Ela era a mulher real. A que ouviu cada uma das infindáveis críticas, que aguentou os olhares insatisfeitos, as noites de fastio e indiferença. Natália era feita de carne, ossos, desejos insatisfeitos e cansaço.
Natália tinha nome e história, e enquanto ele se entorpecia com a aguardente barata que lhe aquecia a garganta lembrava dessa história. Lembrou o contraste do cabelo negro com o tecido amarelo do vestido que ela usava quando ele a viu pela primeira vez, o cheiro doce, o sorriso amplo... Tão bonita. Quanto mais lembrava, mais doía.
Doía o vazio da casa.
Anestesiou os sentidos gole a gole.
Ao despertar, com gosto amargo na boca e o coração despedaçado, saiu para comprar um remédio que lhe que acalmasse o fígado. Cambaleante, chegou à farmácia. Pediu o bálsamo e de novo se lembrou da magrinha.
Não voltou mais em casa. Dali mesmo pegou o primeiro ônibus de volta à rua onde fora feliz vendo os passos da magrinha. De novo seus olhos brilharam ao vê-la desfilando rua acima. Continuava linda segurando na mão direita uma linda garotinha que a chamava de mãe.  A mão esquerda era segura pelo marido sorridente e carinhoso.
Doía o vazio do coração.

Anestesiou os sentidos gole a gole. 


Colaboração de João Rios Mendes

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