“Perdoa ele...”
Essas duas palavras ainda ecoam
agudas, cortantes.
Quando as ouviu dos lábios do seu pai
era criança. Não sabia traduzir em palavras o que sentia. Tampouco sabia nomear
o ódio e a tristeza insana que sujava tudo dentro dela. Não soube gritar como
sentiu vontade que não o perdoaria porque as coisas que ele fez são
imperdoáveis. E o grito que ela desejou deixar vazar naquele dia nunca saiu.
Ficou preso. Coisa entalada na garganta da alma.
Por muito tempo ela tentou lidar.
Houve o tempo da inocência, o tempo da esquiva, o tempo da repulsa, o tempo do
medo e houve o tempo do ódio.
Anos de ódio mudo. Ódio dele. Ódio de
Deus. Ódio de si mesma.
Com o tempo a apatia substituiu o
ódio. Não era o perdão sugerido. Era joelho quebrado, rendição. Quando ouviu a
debilitante sugestão de perdão não teve como avaliar que a insanidade não era
dela. Tudo que alcançou foi o entendimento que não importava a violência
sofrida. Não importava o medo e o nojo que sentia. Ela não importava.
Não saberia precisar o instante em
que essa percepção errônea foi descartada. Talvez não tenha acontecido em um
único instante. Deve ter sido fruto de construção lenta. Fato é que se deu.
Hoje ela sabe o lugar de cada acontecimento sujo. Conhece os erros de seus pais,
a omissão doentia; a ausência de proteção, defesa e ouvidos; a cumplicidade com
o estuprador.
O que ela não sabe ainda é como agir.
Segue vivendo seu jogo de faz de conta. Tática de sobrevivência. Faz de conta
que não foi com ela. Faz de conta que não são faltas tão graves as ações dos
seus pais. Faz de conta que não sente. Faz de conta que não importa porque
ficou pra trás, faz de conta que essa história não se repete todos os dias em
tantas casas...
Coisa que não entra nesse jogo é o
perdão. Não aconteceu aos 12 anos quando sugerido pela omissa voz paterna, não
veio quando o corpo dela adoeceu e não virá na hora da morte do
estuprador. O perdão pra ela é
inadmissível. Não cabe no faz de conta e tampouco cabe na alma.
vou calar, falar, gritar...
ResponderExcluirToda a poesia que puder existir nesta vida é pouco para denunciar, anunciar o estridente silencio das bocas vazias de compaixão, explosão de cores, formas, formas desveladas, reveladas por arte, por ARTE!! Chega de vazio, chega de silêncio, a hora é de expressão, expulsão da violência contida, esmagadora violência consentida!!!
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